Mercado de sonhos


Havia corpos nus por todos os lados, uns faziam sexo, outros estavam mortos. Era assim o sonho de hoje. Não costumo lembrar-me das histórias elaboradas que me ocorrem durante o sono, são demasiadamente complexas e simétricas.
Quando percebo as coisas que acontecem desejo ter um modo de transcrevê-las para compartilhar com você leitor, mas o que nos resta é isso; lapsos de cenas tristes, ou talvez recortes de alegria ou ainda vazios miúdos. Entretanto, salvo a tragédia de perder uma história, esses pedaços nos resenham o ensejo. Se, de acordo com Jorge Luis Borges, o fato de as idéias dos livros serem facilmente assimiladas numa conversa rápida justifica a escrita de resumos sobre livro imaginários, posso falar sobre pequenas memórias de sonhos para traduzi-los.
Atualmente após a recuperação de um momento péssimo tenho sonhado positivamente, todas as coisas que eu desejo de dia acontecem à noite e de manhã não me falta nada. É quando percebo que muita coisa que acho importante, não me faz falta alguma.
Cheguei a sonhar com prêmios de loteria e a não sentir ganância no dia seguinte.
Sonhei que conseguira o amor da vida inteira, mas esse é sonho de quem está acordado e quer continuar. Ela era perfeita, não me deixava saber que outros me ajudavam a fazê-la completamente feliz.
Sonhei nunca ter filhos e morrer rodeado de amigos. É difícil imaginar a velhice sem netos, sem pessoas que sejam obrigadas a fazer do inútil um fardo.
Uma noite eu sonhei que o sonho acabara, tudo era real, o homem corria riscos exatamente como imaginava. Não havia surpresas nem expectativa. Por hora não sabia distinguir sonho de esperança, pois as coisas se misturavam. Uns acreditavam no fim do mundo, outros no estatístico que previa o fatal rebaixamento do time de futebol, e ainda outros numa crise financeira sem fim. Esse mundo sem sonho era insuportável, mas durou pouco, não o sonho, mas o mundo no sonho desapareceu.
Sonhei que pularia de um prédio, acordei na queda, a cama estava até tremendo.
Tem categorias de sonhos que gosto mais, normalmente aqueles que a gente esquece rápido são os melhores. Não têm sentido, por isso os esquecemos, gosto também daqueles que continuam nas noites seguintes. Gosto de sonhar sonhos de quando era criança. Dia desses sonhei que meu pai me levaria para viajar, fiquei tão ansioso que no sonho eu não conseguia dormir. Assim como criança eu sonhava que meu pai me faria viajar.
E tem sonhos que eu gosto menos, mas esses não importam, uma hora acordamos.
Não sei o que pensar dos sonhos de hoje, eles me incomodam, mas não são de todos ruins. Corpos nus... Uns barulhos que não dão para entender... Um motim de cenários, corpos em meio à grama curta e muito verde, outros na areia como num deserto, outros em água e outros ainda no meio de um capim alto, que só se percebiam se fossem olhados de cima e não havia separação entre esses ambientes, apenas uns se sobrepunham aos outros num movimento constante.
O sonho não chegou a acabar. Ainda de madrugada e acordado, senti-me estranhamente acomodado à cama: vários travesseiros dando apoio aos contornos do meu corpo. Estava deitado de bruços e coberto por um lençol fino, o que me protegia da brisa leve que entrava pela janela eram os travesseiros. Desejei continuar aquele sonho, mas me perdia nele, de modo a não saber onde voltar. Era como se eu me imergisse no sonho como uma terceira pessoa e devesse encontrar a mim mesmo em algum lugar ou tempo do sonho para retomá-lo.
E por fim, sonhei que havia um lugar em que se vendiam sonhos e que eu poderia viver de sonhar.

Comentários

Unknown disse…
se superou nessa...

gostei pra caralho!!!

e essa ultima frase...

"sonhei que havia um lugar em que se vendiam sonhos e que eu poderia viver de sonhar"

foda!
hehe
Unknown disse…
Teve a manha, velho...
Seus textos são muito visuais, cheios de imagens e pensamentos que me evocam um monte de coisas. E é ao mesmo tempo muito objetivo e muito viajado pra citar coisas, sensações, relacionar leituras, ideias, sentimentos.

Obrigado pelo novo convite para vir aqui, fazia algum tempo que não visitava seu blog. Falou!
Cleiton disse…
É você tem tino para escrever, viajei junto e acabei entrando no seu mercado de sonhos, ao final do texto foi um tanto poético.Quando você escreve de forma que o leitor entre e visualize o que você escreve, criando um senário por meio de suas palavras, você prende o leitor e cria nele uma expectativa no desfecho,e consequentemente lhe impõe uma responsabilidade de não o decepcionar, o que não aconteceu.
Clara disse…
Gostei muito, muito mesmo.
Anônimo disse…
Maravilhoso!Surpreendente.Karine Roza.Bjs.

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